Tem menos de um mês que falei de famílias abusivas e que também vivi isso e, mesmo com mais de 56 anos, ainda evito falar publicamente no assunto, mas, como disse no post, nós temos uma certa responsabilidade de compartilhar o que vivemos com quem ainda está dentro daquele turbilhão.
Me afastei da minha família aos 18 anos e continuo me curando daquele convívio, mas desde os 26 anos me sinto livre e seguro. Foi quando caiu a última máscara da perversidade e entendi que aquele parente era covarde, que se escondia atrás de outros jamais confrontando seus erros.
Então a primeira coisa que tenho a compartilhar é que passa! Você pode estar com 11 anos agora (foi a idade em que decidi que precisava sair daquela família) e no meio de um turbilhão que parece que te puxará para sempre. Eu mergulhei em leituras e em Jornada nas Estrelas, mas hoje existem muito mais obras pop que nos oferecem espaços para nos proteger e tentar entender melhor o que estamos vivendo enquanto não conseguimos construir nossa própria jornada. Boas amizades também ajudam muito! Só cuidado com as que procuram te fazer dependente delas pois aí a gente provavelmente está saindo de um relacionamento abusivo para outro.
Quase 2h com uma pessoa perversa. PQ?
Estou falando nisso porque hoje passei 1h40 no telefone com a pessoa que foi o centro dos relacionamentos perversos da minha infância. A pessoa que sempre se impôs como superior me diminuindo e humilhando. Aos 11 anos a primeira máscara dela caiu para mim e percebi que a pessoa não tinha um entendimento especial sobre o mundo e que minha própria percepção estava condizendo com a minha idade. Na verdade eu já percebia o mundo melhor que a pessoa, mas digo isso sem arrogância, não era um feito especial já que eu já lia e estudava muito. Talvez na época já tivesse lido e estudado mais do que a pessoa.
Essa afirmação é delicada. Pode parecer que conhecimento ou cultura nos torna superiores. Não é o que penso, nem o que quero dizer. Nada na verdade nos torna superiores ou inferiores. Essa divisão foi o que eu aprendia com aqueles familiares. E também não devemos culpá-los. Como disse no post anterior, apesar de adultos, eram apenas crianças dos anos 1940 assustadas com o mundo das últimas 3 décadas. Elas estão ainda mais assustadas e confusas agora.
Se você tem um parente abusivo deve saber como é difícil falar com eles, como nos sentimos inferiores, como queremos merecer a admiração deles como animais de estimação adestrados mais pelo castigo que pela recompensa.
Depois de dedicar 1h40 a essa pessoa parei para conversar com a minha esposa sobre o motivo de ter feito isso. Em geral evito deixar que a conversa enverede por caminhos em que a pessoa possa tentar exercer poder sobre mim, mas hoje, sem pensar muito, sustentei a conversa, fui contrapondo cada tentativa dela se sentir superior.
Você que lê esse post e não é a pessoa já deve estar imaginando o assunto, né? Política. Ela puxou o assunto falando de como os preços das coisas iam subir agora que o PT foi eleito novamente e seguiu pelo terço das fakenews sobre a filha milionária da Dilma, o filho bilionário do Lula, Tom Cavalcante e Chico Buarque roubando dinheiro do estado pela lei Ruanet etc. Até guardei alguns artigos no clipping que estou passando a fazer no Notion.
Existem pessoas abusivas muito mais bem equipadas para se imporem às suas vítimas. Não é o caso.
O ponto que percebi depois da conversa, que poderia até ter sido muito positiva para a pessoa se ela me ouvisse e usasse os fatos que apresentei para se ligar mais à realidade, é que, pela primeira vez, veja só! com mais de 56 anos… bem, pela primeira vez eu me senti totalmente refratário às tentativas de me diminuir, aos “tenho pena de você” a que respondi com algo como “Mas você está construindo sua visão de mundo em cima de coisas sem qualquer evidência. Não sou eu que estou sendo digno de pena.”
Duvido que a pessoa tire algum proveito da conversa, mas não estou preocupado com ela. Estou analisando por que eu decidi sustentar a conversa e admito que tive algum prazer sádico em vê-la tão desconectada da realidade, tão ingênua reclamando que políticos não são santos. No entanto tive mais prazer em notar que não me senti nem um pouco mal com a pena da pessoa ou as tentativas de me diminuir.
É mais uma máscara que cai.
Isso quer dizer que meu amadurecimento acabou? Claro que não! Talvez a palavra nem seja “amadurecimento”, mas o fato é que estamos sempre mudando enquanto estamos vivas e isso é muito importante!
Mudamos porque jamais seremos pessoas perfeitas! Haverá momentos que mudaremos para pior, momentos que mudaremos para um pouco melhor e só vamos perceber se estivermos sempre refletindo sobre quem somos e como estamos nos transformando.
Mudamos porque o mundo também muda constantemente, a nossa construção cultural, científica, social, econômica, religiosa coletiva vai se modificando do mesmo jeito que acontece na esfera pessoal e temos que nos adaptar a isso.
Nada está gravado em alguma matéria imutável.
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Nós devíamos poder conviver nos tabuleiros da vida, mas quando crescemos em uma família abusiva, precisamos transformar nossa visão para sentirmos que estamos livres em nossos tabuleiros interiores.