É fugaz, chega pelo Twitter, alguém anima a moça, “dance! dance!”, suponho que seja o que o homem lhe diz, e ela dança…
Desliza com poesia ao som da música que já ouvi em Amèlie Poulin há tempos. Desliza como se o mundo fosse leve, como se os problemas que me afligem não sejam capazes de chegar a ela, um corpo de luz e arte que contrasta com as ruas duras da cidade que parece européia e certamente já viu séculos crueis passarem, muitos mais cruéis que o que vivemos hoje, que, apesar de nos dividir em pedaços, ainda é menos rude que o século passado, o das guerras mundiais.
Mas tudo isso se dissipa em um momento de beleza, um minuto e trinta e seis segundos que escrevo por extenso para durar mais.
Desvio meu olhar para a janela buscando o horizonte que está atrás do morro, mas consigo ver apenas alguns minutos de esvaziamento, de ecos da suavidade da dança e da música.
Instantes depois e já estou de volta ao meu mundo sem arte, das tenções políticas, sociais, das perturbações emocionais.
Um instante mais e meses passaram, fascistas gritam nas ruas; outro instante, mais meses e 20 milhões de histórias queimam diante das minhas lágrimas levantando labaredas do Museu de História Natural; mais um instante e… ugh…
Mais de um ano se passa e alguém me mostra novamente a bailarina, a música, a poesia, a fuga.
Ah! No entanto dessa vez decido me agarrar! Quero mais! Qual é mesmo o nome da música? Talvez se buscar por “ballerina street amelie” eu encontre alguém que identificou essas pessoas diáfanas que estão no vídeo.
Encontro Ivo Remenec, o violinista que toca nas ruas de Trieste, na Itália. A música é Comptine d’Un Autre Été: by Yann Tiersen(vídeo). A jovem é Rima Baransi, palestina, estuda ballet na Alemanha, é do pai a voz que a estimula a dançar, a estimula a não conter seu espírito, não conter sua arte.
Do Instagram dela:
“Levei um bocado de tempo para desenvolver uma voz, e agora que a tenho, não ficarei em silêncio. Feminista é qualquer pessoa que reconheça a igualdade e completa humanidade de mulheres e homens.!”
Rima Baransi – Instagram
E lá está outra poesia, outra arte explodindo da fotografia, fazendo queimar o espírito dessa vez, revelando que não é apenas leveza que move o artista, que arte é viver intensamente, é viver profundamente.
Que erro… Que lastimável erro ter deixado há um ano aquele momento se restringir a poucos minutos quando podia estar ecoando com muito mais profundidade, iluminando outras áreas do meu espírito, não só a fuga para a beleza, mas também o abraço da consciência, do local e momento que vivo, plenamente… Ao menos agora tenho chance de retornar àquele momento e criar outros!
Mergulho um pouco mais fundo e… Aqui está o canal de Rima Baransi no YouTube. Um único vídeo. Ela decidiu publicar apenas um vídeo. Um palco escuro, a luz sanguínea cercando o corpo, agora, forte, mas ameaçado.
A coreografia tensa, dura em sua realidade, encontro aqui ou ali elementos da dança contemporânea brasileira, a dança é um meio bem restrito e… Português. Há um texto em português no vídeo, Maria da Penha…
A arte fecha dois ciclos, a beleza e o abismo, a distância da Itália e a proximidade da nossa realidade dura ecoando no mundo, uma pequena e singela nave é o que é a nossa Terra… Que a vivamos com mais intensidade, que a vivamos com cuidado, que vivamos intensa e plenamente e não enjauladas nas prisões que também impomos a outras pessoas.