Esse é o quinto livro que leio no Kobo e hoje tenho que dizer que sou tão apaixonado pelo livro digital quanto pelo de papel, mas isso é assunto para outro post.
Esse também é o meu primeiro livro de contos em muitos anos e adorei retornar ao modelo que nos permite conhecer vários autores em pouco tempo.
O título traz “Vapor” em vez de “Steam” pois todos os contos foram escritos em nossa língua mãe muito embora alguns autores levem tão a sério a temática steampunk que adotam um português mais próximo do usado no Brasil e em Portugal no século XIX. Nada que atrapalhe a leitura apesar de ter me incomodado no início (também sou novo no estilo steampunk). Coisas como o uso de “consigo” onde hoje usamos “contigo”.
Cada um dos contos proporciona uma ou duas horas de leitura e, francamente, gostei de todos.
A fazenda-relógio, de Octavio Aragão, é o primeiro e se passa no Brasil em uma fazenda que começa a receber a modernidade da mecanização a vapor e trata da questão do preconceito racial no pano de fundo.
Em Os oito nomes do Deus sem nome, de Yves Robert, fui surpreendido por uma trama que achei digna de Conan Doyle quando um grupo de espiões tenta desvendar os segredos que tem levado Portugal a dominar a Europa a despeito da tecnologia superior da França no desenvolvimento da mente e da Inglaterra com seus cérebros eletrônicos. Esse foi um dos meus três preferidos na coletânea.
O conto seguinte, Os primeiros astecas na Lua, de Flávio Medeiros Jr., compõe bem com o clima investigativo do conto anterior e trata de questões que me atraem muito como princípios: responsabilidade, guerra, paz… Esse é outro dos meus três preferidos no livro pela forma de narrativa, a tensão que o autor foi capaz de manter, as ricas referências a ícones vitorianos além de ser uma vasta homenagem a Jules Verne. Soube que o autor está trabalhando em um livro no mesmo universo. Aguardo ansioso.
Consciência de ébano, de Gerson Lodi-Ribeiro, nos leva a um Brasil onde o preconceito racial está às avessas e os negros dominam o país. A narrativa é fluida e vai nos apresentando a estrutura e razões desse fenômeno de forma agradável. No primeiro plano temos o herói que cumpre suas obrigações sinistras de proteger uma criatura sobrenatural que defende o país, mas a que custo? Até quando? É o conto mais sombrio da coletânea.
Para equilibrar o clima sombrio do conto anterior o próximo acontece nos céus, Unidade em chamas, de Jorge Candeias, nos leva para conhecer a frota de passarolas (palavra que aprendi nesse conto junto com lezíria), ou seja, dirigíveis, portuguesa e volta a abordar o preconceito quando pelotões de negros vindos das colônias se juntam ao corpo de aeronautas portugueses e o protagonista se vê diante da descoberta de que os negros não são animais afinal de contas. O conto acompanha um período conturbado e se encerra no sentido, mas fica aberto nos fatos o que até é bom pois nos provoca a imaginar.
A Extinção das espécies, de Carlos Orsi, é um dos mais surpreendentes da coletânea. Ele nos leva a acompanhar um Darwin enquanto ele se depara com uma tecnologia de robótica e conversão de energia solar no limiar da nossa imaginação me fazendo lembrar novamente de Verne. Os personagens são cativantes e a narrativa mantém tensão quase todo o tempo. Está junto com os três que mais gostei.
O dia da besta, de Eric Novello, completa a lista dos três que mais gostei principalmente pela forma da narrativa que apresenta vários personagens, mas que nos permite uma identificação imediata com eles de forma que não é difícil lembrar quem é quem. Além disso há um carisma na história difícil de descrever, mas que definitivamente me fisgou. Foi uma grata surpresa pois conheço Eric pessoalmente é sempre é um prazer ver que um amigo é um ótimo autor.
Finalmente O Sol que alegra o dia, de João Ventura, fecha a coletânea com a história em narrativa quase jornalística do desenvolvimento da energia solar no final do século XIX indo de máquina para fundir metal até propulsor de dirigíveis passando por automóveis. No pano de fundo há questionamentos sobre o estado laico e a religiosidade. É um dos contos mais poíticos do livro apesar da estrutura narrativa jornalística.
A propósito a própria estética steampunk já me parece poética. Além disso quase todos os autores na coletânea optaram por se inspirar em algum personagem ou fato real que é citado nas notas o que nos permite mergulhar mais ainda no período vitoriano, uma época que facilmente poderia ter nos lançado para um presente muito mais avançado que tempos hoje e, talvez, o exercício da ficção steampunk nos ajude a não cometer os mesmos erros novamente.
Disponível no site oficial na editora Draco.
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