Antes de mais nada: não farei spoilers da história, mas terei que comentar várias características da cultura e dos personagens, então, se você considera isso spoiler, é melhor ler primeiro, certo? Você pode colaborar com o blog comprando por esses links: Duna, o primeiro livro (só vou falar dele) ou então Box Duna primeira trilogia. Ah! Em tempo! Li a tradução por Maria do Carmo Zanini e gostei da fluidez, importante em uma obra como essa.
O que torna Duna especial é justamente o universo criado para que a história aconteça.
Se não é a primeira obra a criar culturas galácticas complexas com vários arcos de história e diversos fundamentos filosóficos, políticos, sociais, culturais e religiosos certamente foi responsável por sedimentar esse tipo de criação que nos trouxe boa parte dos filmes e livros épicos posteriores.
É bom lembrar que Duna foi escrito nos anos 60 do século passado, uma era marcada pelo heroísmo individualista e messiânico que, na minha humilde opinião, começa a se mostrar obsoleto nesse século em que a força de transformação está cada vez mais associada à mobilização coletiva ou pelo menos, de um grupo de heróis, mas você verá que mesmo nisso Duna tem alguns aspectos… dúbios.
Aliás dúbio é pouco. Como as estruturas são muito ricas o que acabamos tendo é uma obra que pode ser lida de várias formas de acordo com o viés de quem lê.
Nada novo nisso, afinal quem duvida que Guerra nas Estrelas ou A Fazenda dos Animais são obras anti-fascistas, mas ainda assim são frequentemente usadas para justificar ou fascismo ou admiradas por fascistas? No Brasil tivemos até Fazenda dos Animais transformada em Revolução dos Bichos.
Era justamente esse “interruptor” que me faltava para comentar Duna depois que o li recentemente (não li na adolescência quando foi publicado): Uma visão geral do viés de Frank Herbert (inglês – tb no meu clipping).
Duna nos apresenta um mundo decadente governado por uma estrutura imperial corrupta e imoral e por um monopólio da tecnologia de viagem interplanetária. Uma ordem religiosa feminina usa de subterfúgios para controlar os rumos da política e da civilização. Os vilões são imorais, feios, libertinos e homossexuais, características que não se estendem aos heróis revelando o maniqueísmo bem característico do século passado, mas não é tão simples assim… Tem nuances e há… corrupção também entre os heróis.
As ideias objetivistas e de supressão das emoções de Ain Rand parecem ter influenciado também Frank Herbert e podemos perceber até uma sugestão de eugenia nas bases ideológicas do universo criado por Herbert.
Apesar de tudo isso Duna parece atrair, desde o princípio, justamente leitores com um viés progressista ou de esquerda, se preferir.
Como se vê no artigo que deixei mais acima sobre o viés do próprio Herbert ele tinha fortes ideias em relação à corrupção inevitável dos governos, uma abordagem, sabemos hoje melhor que nunca, bem fascista e… bem, na verdade não tenho como dizer qual era a intenção dele com seus livros, exceto que o primeiro deixa bem claro que nem o messianismo, nem o imperialismo ou o fascismo são resposta para o problema central da história e dos nossos tempos: a crise ambiental.
Mais importante que os objetivos d Herbert é a nossa leitura dos livros e como eles são adaptados para outras mídias.
Pessoalmente fiquei satisfeito ao ler o primeiro livro, tanto no sentido de ter gostado das reflexões que ele me despertou quanto no de não sentir necessidade de ler os demais.
Provavelmente isso aconteceu comigo porque o que realmente me encantou foram as culturas e estruturas políticas em torno da história e, uma vez que as entendi e absorvi, não senti necessidade de saber para onde mais vai a história.
Claro que felizmente nem todo mundo tem o mesmo foco e tenho certeza que os demais livros devem acrescentar ao menos arcos de personagem interessantes para as pessoas que conhecemos no primeiro livro e que realmente mudam bastante, o que é ótimo.
Em breve estará disponível a adaptação de Denis Villeneuve para a HBO e veremos como a obra será interpretada, ao que parece virá com a necessária sugestão de que temos que mudar nossa civilização para recuperar e preservar a viabilidade das nossas formas de vida na Terra.
Referências
- Dunacast: um podcast especializado em Duna. Cada episódio é um capítulo.
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