Primeiramente: Comentários sem spoilers!

Também conhecido como Calafrio, publicado por Henry James em 1898, A Outra Volta do Parafuso é uma história de terror em primeira pessoa, ou seja, a gente acompanha a história pelos olhos e percepção da protagonista, que é a tutora, que nunca chega a ser nomeada, contratada para cuidar de duas crianças em uma rica propriedade, a mansão Bly. Sim, tem várias adaptações da história, inclusive uma bem recente na Netflix.

É um livro difícil de comentar porque ele tem uma grande qualidade que anda perdida: nós somos apresentados ao que acontece, mas as explicações ficam por nossa conta.

Sinto que é preciso falar um pouco sobre isso pois, muito embora existam obras modernas assim, tenho a impressão que muita gente não chega a entrar em contato com elas, então é bom falar porque essa é uma estratégia narrativa MUITO necessária.

Aliás até “narrativa” é um termo que anda meio banalizado e virou sinônimo de “versão”, você também tem essa impressão?

História é o que acontece, versões são visões diferentes da mesma história e narrativa é a forma como a história está sendo contada, a ordem em que é contata, o tom dado a cada cena, afinal o mesmo acontecimento pode ser visto com ternura, medo ou raiva dependendo de como e por quem ele está sendo visto.

E a estratégia narrativa de A Outra Volta do Parafuso consegue deixar para nós a construção da narrativa e isso é brilhante! Me vi mudando a minha opinião e como me sentia em relação aos acontecimentos e à personagens o tempo todo sem, inclusive, fixar uma única forma de entender tudo que li mesmo depois de terminar a leitura.

Vivemos um momento histórico maniqueísta em que tudo é o ponto escuro dentro do yang ou o claro dentro do yin, sem nada no intervalo. As pessoas ou são boas ou são más. Entretanto a leitura de A Outra Volta do Parafuso nos desafia a entender que simplesmente não é assim. O mundo simplesmente não é binário. Estamos precisando lembrar disso.

Me preocupa muito quando vejo amigos, amigas e amigues considerando que “as pessoas são fascistas mesmo” ainda que isso não faça o menor sentido lógico, afinal se fosse assim nunca um político progressista, do espectro de esquerda ou com propostas democráticas e contrárias ao fascismo seria eleito. Não teríamos avançado nada no sentido da diversidade. As pessoas são fluidas e os acontecimentos ao nosso redor nos fazem transitar entre as trevas e a luz. Esse não é o assunto aqui, mas não podia perder a chance de falar nisso.

Outras obras da literatura do século XIX tem características similares, mas tem alguma coisa nessa história que, pelo menos para mim, causou um impacto emocional e até onírico que ainda ecoa quase um mês depois de terminar de ler.

Também me impressionei com a modernidade do texto, em parte, claro, mérito do tradutor, mas a própria história, personagens e até contexto cultural são quase atemporais, muito embora, claro, 126 anos depois, algumas coisas nos pareçam… ingênuas, algumas relações muito submissas. Ainda assim me admirei com a determinação e maturidade das personagens repetidas vezes e, agora mesmo, me sinto inspirado por elas, apesar de reconhecer na história um verdadeiro desafioà percepção à razão.

No final da leitura você provavelmente terá um veredito, mas recomendo fortemente experimentar outros, exercitar o “e se…” pois essa é uma abordagem para a vida que nos ajuda a perceber que as coisas tem nuances e se movem o tempo todo.

Ficha técnica

  • Título original: he Turn of the Screw
  • Títulos no Brasil e em Portugal: A Outra Volta do Parafuso / Calafrio
  • Autor: Henry James
  • Tradução Paulo Henriques de Britto (um grande tradutor brasileiro)
  • Editora da edição que li: Penguin (não achei a página do livro no site deles)
  • Link para comprar na Amazon (recebo um %): A Outra Volta do Parafuso

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Foto de Neil Mark Thomas na Unsplash