Cara! Que série boa!!! Calma! Primeiro que não vou fazer spoilers! Acho que, mesmo quando as histórias não são muito surpreendentes é mais legal a gente ir descobrindo por conta própria. Tanto que nem vi o trailer inteiro antes de ir assistir: em alguns segundos achei que ia me interessar e fui lá.
Segundo que não entendi porque a avaliação da série no IMDB é 5,5 de 10: Os Irregulares da Baker Street.
Na verdade sei sim: é como o QI! A gente tinha essa mania de avaliar as pessoas pelo critério da inteligência como entendíamos a inteligência há 200 anos… Tá, nossa civilização ainda tem essa mania, mas acho que tem grande possibilidade de você ser uma pessoa que já percebeu que somos muito mais do que a nossa inteligência e que a própria inteligência se manifesta de diversas formas, ela é um conceito fluido… Como a questão da neurodivergência e neurodiversidade… Mas esse é um post sobre uma série adolescente ;)
Pois então, se olharmos para a série como sempre olhamos para séries ela pode ser meio previsível, pouco criativa, ter uma fotografia que não surpreende e talvez por isso ela não esteja bem avaliada. No Rotten Tomatoes The Irregulars também não está muito bem… 58% pelos “top critics” e 49% pela audiência.
Então por que estou dizendo que é ótima? O que posso te dizer para você tirar coisas boas da série e gostar dela também? E principalmente, sem spoilers ;-)
Tem tudo a ver, principalmente, com a forma como ela nos apresenta a diversidade.
Até pouco tempo nossa cultura pop representava o passado por uma ótica mergulhada nos preconceitos eurocêntricos, racistas, patriarcais-machistas etc. Vimos o Egito com atores brancos, vimos invasores brancos matadores de índios como heróis.
Uma das reações a isso que acho negativa é o apagamento das perversidades do nosso passado, como quando querem tirar o racismo de obras como Sítio do Pica-Pau Amarelo. O racismo existia e está registrado ali.
No entanto o que nos impede e, principalmente, qual seria o efeito de representar o passado sob uma moral moderna?
Imagine que façamos uma representação da era vitoriana onde não existe qualquer sinal de desigualdade entre brancos, negros, mulheres e homens? Em que nenhum conflito se dá pela inferioridade ou superioridade definida por gênero ou cor da pele? Inclusive a cultura associada a essa raça ou a aquele gênero seja representada com naturalidade e sem implicar em conclusões estereotípicas do tipo: essa cultura é do mal, logo a pessoa é do mal.
O grupo discriminado a que pertenço está pouco representado na série, mas desconfio que a pessoa feminina, negra ou gay que assista a série se sentirá bem representada, que suas características não restringem quem são ou podem ser.
As mulheres na série, a propósito, são fortes, independentes e sábias sem serem “masculinizadas” como no vemos em muitas tentativas de representar mulheres fortes: existe o jeito Ying e o jeito Yang se ser forte e homens e mulheres podem ser fortes de um jeito ou de outro… Aliás, tem homem forte em sua suavidade na série.
Tá percebendo que poucas séries tem esse tipo de abordagem? Que nos dá a oportunidade de nos colocar num mundo onde utopicamente nunca existiu machismo, racismo ou homofobia?
Não se trata de apagamento do passado como quando querem banir obras clássicas que registram como se fossem naturais os terrores do nosso passado e sim de uma obra de fantasia que nos dá chance, negros, mulheres, LGBTQI+ (em terceiro plano na série mas está lá) de nos colocarmos em qualquer papel no passado.
No entanto a questão da injustiça social é extremamente forte, afinal, ao contrário do que acontece com os preconceitos, que precisam ser diluídos, ela é sim uma luta de classes, por menos que eu goste de “militarizar” essas questões e procure mostrar que, em vez do conflito entre as classes devemos nos unir por um sistema em que todos possam valer pelo que são e não pelo que tem, o que, ainda que possa lhe parecer estranho, é melhor também para as classes mais privilegiadas… O que, aliás, até está colocado na série e chega a me lembrar da jornada de Buda (você sabe que ele era um príncipe, né?) ao encontro da vida real das pessoas fora da proteção da riqueza.
Também está presente na série a covardia masculina e o abandono parental, meio óbvios desde o primeiro episódio, mas não digo mais para não dar spoilers.
Só acho estranha uma avaliação abaixo dos 70% porque os personagens não são planos, eles tem nuances suficientes para nos identificarmos com eles, muito embora não sejam matrioscas, o que algumas vezes é até meio exagerado e apelativo, né?
Ah! Sim! Claro! Pode ser que a classificação baixa possa ser por decepção por Sherlock e Watson não serem protagonistas na série, mas bem… Não é sobre eles, né? ;-)
Conclusão: acho que, assistida como uma representação e valorização da nossa diversidade e fluidez, de questionamentos e formas de amizade que formamos hoje e não eram formadas da mesma forma em décadas passadas, é uma série que nos abraça, sabe? Que nos dá um pouco da experiência de viver em um mundo mais parecido com a gente e isso nos ajuda a construir esse mundo, mas sem esquecer dos problemas que temos que resolver como empatia (é, tá lá na série em uma posição central também) e o que nos define, o que nos dá “valor” (entre aspas porque valor é outro estereótipo que temos que abandonar, talvez trocando por essência).
Bem, se você se incomoda menos com spoilers que eu, então aqui está o trailer (que só vi agora hehehehe):