Tem uns dias que estou pensando na violência das pessoas, aquela que a gente supõe que os brasileiros tem quando despejam ódio sobre o sequestrador do ônibus, executado com seis tiros enquanto outro, branco, há pouco tempo foi levado para uma instituição de cuidados mentais para para não ser ameaçado por outros presos.
Por outro lado tem a violência que dizem que o brasileiro não tem porque não está nas ruas destruindo tudo, porque o povo negro, o povo discriminado, não se levanta tomado por ira.
Eu não sei, realmente não tenho como saber porque, como diz no clipe mais abaixo, eu não vivo a vida dos discriminados apesar de ser do grupo, dizem, mais odiado, o de ateus, mas ora, ateus são praticamente inidentificáveis, então sou mesmo é um privilegiadinho.
No entanto sei que as pessoas discriminadas que conheço e provavelmente a grande maioria delas não tem nada de dóceis, de conformadas e muito menos de covardes. Elas todas transpiram coragem e um senso de honra profundo!
Digo isso porque já colaborei com projetos em regiões discriminada que me levaram a “ensinar” coisas para as pessoas de lá, mas sempre aprendi mais com elas sobre a realidade do que os conhecimentos técnicos que eu tinha para passar.
Quando pensei em escrever esse post eu estava pensando no Faísca.
Por um ano, quando eu tinha 10 anos, morei na Superquadra Sul 112 em Brasília. Tenho boas e estranhas memórias de lá.
Era como um filme norte americano, daqueles com gangues que se enfrentavam ou tipo Conta Comigo do Stephen King.
E tinha o faísca. Um cão pequinês que era temido por todos!
A dona o soltava para passear sozinho e ele vagava pela quadra por uma meia hora antes de voltar para casa.
Quando cheguei lá todos avisaram que ele era bravo, que atacava. Eu simplesmente aceitei.
Tempos depois me vi encurralado por ele e acabei fazendo amizade, fui com ele até sua casa e conheci a dona, de quem não tenho mais que uma vaga lembrança, acho que tinha tatuagem.
A amizade me rendeu duas coisas: fiquei sendo temido na quadra e descobri que Faísca não era bravo, que, para ver se ele era bravo tinham atirado pedras nele.
E os negros são o Faísca? Não… de forma nenhuma. O povo desse país talvez seja muito mais esperto que um cachorro e saiba que é pela voz e não pela violência que conquistamos avanços duradouros, que a violência só tira vidas e nunca nos liberta pois o senhor passa ser aquele que nos deu as armas.
Faísca no Brasil do início do século XXI é o cidadão “de bem” que reage a pedradas imaginárias, que se sente apedrejado quando vê o outro se livrar de um grilhão, quando vê desmoronar o seu poder porque é um poder ilusório construído sobre a exploração do outro, é o cidadão “de bem” que não é realente bom em nada que faz, mas se sente superior porque “o povo” está impedido de ocupar o lugar que ele ocupa.
Pobre Faísca, era um bom cãozinho e não merece servir de metáfora para esse povo.
Esses pensamentos estavam na minha cabeça há dias se combinando com outros até que vi esse clipe mais abaixo.
É…
A cultura é a nossa arma contra o seu domínio
“Cypher Corre versa sobre a hora de novos começos, novas formas de (RE)EXISTIR, inseridas e inseridos nesse cenário político e social que estamos vivendo, é inevitável que nós enquanto corpos negros, periféricos, LGBTIs, corpos estigmatizados e com seus direitos violados não resistíssemos.
Nosso corpo, nossa existência, nossas almas, SÃO RESISTÊNCIA!
Miguel – clipe CYPHER CORRE – Kashuu / Dozra / MC Fernandes / Ayoola / Miguel / Marinao / Furmiga / Alex
E nesse ato de se manter vivos e vivas enfrentamos as opressões com nossas vozes, que ecoam e espalham a mensagem, com nossos corpos que resistem , com nossas mentes que viajam e lutam por liberdade”. (Miguel)