É uma pena que a associação de solitário a triste quase sempre seja imediata, inclusive quando escrevi o título acima foi o que pensei, se a visita é solitária, é triste, no entanto não poderia estar mais errado.
Ela tem 19 anos, é a primeira viagem totalmente solo dela para outra cidade e, dizendo assim, até parece que é mais uma filha da superproteção elitista, não poderia estar mais errado, é mais o resultado de uma família que se ama e caminha junta. Em minha experiência pessoal essa é uma rara família… Ainda que menos rara do que quando eu era criança há 40 anos. Famílias e o delírio de que eram esferas de amor e proteção… Mas a dela é.
Abro a porta e lá está, bem mais alta que eu, aquela guria de 6 aninhos de idade que corria com a amiga por baixo das mesas dos restaurantes balançando as cadeiras gritando “terremoto! terremoto!”enquanto filmava.
Ficamos pensando… Quando foi mesmo que aquela criança virou essa mulher independente? Algumas vezes temos dificuldade em perceber a passagem do tempo e parece que as pessoas se transformam da noite para o dia.
Sentamos os três na sala, nossa nova amiga canina, um dos motivos da visita, late um bocado até se adaptar à nova humana, mas foi rapidamente vencida pela simpatia.
Brincamos com a Alexa, a da Amazon, a amiga canina se chama Lupita, fazendo perguntas, pedindo músicas e rindo do sotaque ainda confuso da robô. “Tocando carpete ofi ti saco”.
Mal lembro dos assuntos, a visita foi há dois dias, ficaram mais as sensações e emoções do fluxo de visões, risadas, experiências e o processo franco de transformação dos gestos ainda adolescentes e das reflexões agudas no sentido de atravessarem muros de estereótipos do passado já obsoletos.
A juventude é algo luminoso, ao menos quando ela é livre e tem perspectiva.
Até pouco tempo eu dizia que existe a síndrome da morte aos 24 anos, que as pessoas deixam de de transformar nessa idade e vão se tornando versões rígidas das adolescentes que foram, mas tenho visto essa idade se expandir, encontro cada vez mais jovens de 40, 50 anos. É! A amiga tem uma longa vida pela frente, que bom!
Tardes de outono. Sabe como é? Aquelas que passam com temperatura amena, uma brisa agradável, o presente nos envolvendo maternalmente deixando o passado e o futuro, sempre meio tensos, à distância?
Assim são os melhores encontros com amigos e assim foi a visita da jovem amiga, um fragmento de outono…
Você pode preferir a primavera, mas… não sei… Ela é linda, a primavera, não me entenda mal, mas talvez seja porque o outono vem depois do cansaço do verão e nos prepara para o recolhimento do inverno e a primavera vem cheia de pressa e já com a expectativa dos dias quentes de verão… Pode ser isso! Coisa de quem vive onde o inverno é um verão fresco hehehe!
– Alexa, como está o tempo em São Paulo? – era o destino da amiga logo mais, por volta das 19h. Pouco depois do avião dela decolar cairia no Rio a pior chuva em 22 anos e com a cidade menos preparada que na época por suas péssimas administrações.
– Está 20 graus, previsão de chuvas e trovoadas… – Responde a voz meio humana, meio robô da Alexa. É em Sampa também choveria, mas sem traumas.
Os três soltamos suspiros de alívio pelo clima ameno, felizes porque o Rio, como sempre, vinha quente, você sabe, aquela temperatura que não seria quente se o ar não fosse tão úmido que parece colar em nossa pele como uma aura nebulosa de calor.
Com um pouco de arte os bons encontros nunca terminam, ecoam em nossa memória sempre que nos lembramos que sempre há beleza no tempo que vivemos ainda que sejam tempos de transição quando já estamos lançando olhares ansiosos para um futuro muito melhor porque o passado se tornou obsoleto, mas continua nos cercando.
A amiga já está em sua cidade, mas volto aqui à visita da viajante solitária cercada de amigas, e desenho em palavras para compartilhar e materializar o momento para outras pessoas, com sorte lembrar outras pessoas de visitas como essa.
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