A luz entra pela grande janela do apartamento alto emoldurando móveis e rostos com o tom dourado da tarde de verão. Uma cortina dança à brisa suave e morna enquanto partículas em suspensão deslizam pelas camadas de ar por onde viajam as vozes cúmplices dos jovens que se espalham pela sala no sofá, diante de um comutador sobre a mesa, sentados no chão consultando o celular enquanto conversam.

Tem semblantes preocupados, sérios, divertidos, curiosos, animados e distantes e várias cores de pele, cabelos lisos esvoaçantes, cacheados rebeldes, firmes como os sonhos juvenis assim como diversas texturas de roupas, de cores. Um rapaz usa saia, uma moça alva turbante, cores vivas cobrem corpos sem sexo definível.

As cores, sotaques, imagens, sonhos, memórias, projetos saltam pela sala entre as amizades com origens tão diferentes umas das outras, com heranças vindas das telas da infância menos do que das histórias contadas antes de dormir ou das brincadeiras no sítio ou na casa dos avós.

São corpos e mentes montados com os retalhos das leituras, séries, memes e músicas que conectaram ou até construíram a experiência do primeiro beijo, a expectativa do primeiro emprego, a insegurança a cada fim de ano na escola, os momentos difíceis ou delicadamente ternos com os pais ou com suas famílias escolhidas na trajetória da vida.

Conversam animadamente acrescentando à atmosfera novas camadas de sentimento e significado, construindo castelos diáfanos sobre os alicerces das suas experiências desconectadas do passado distante dos seus genes, dos fundamentos da cultura dos seus bisavós visto que o passado é diluído pela erosão potente das enxurradas de cultura que fluem pelas ondas de wi-fi.

Parece triste… Visto assim parecem vidas efêmeras… Como se fossem perenes as vidas dos nossos antepassados, que apenas refletiam histórias contadas e recontadas; tradições ancestrais incapazes de sustentar uma civilização em profunda e febril transformação.

Nada disso perpassa por aqueles semblantes naquela tarde, eles tem a sorte de viver aquele momento auto-contido na suave esfera de tempo que a magia das tardes de verão é capaz de tecer do próprio ar… Um verão que podemos carregar conosco também através da primavera, do outono e, principalmente, do inverno.

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