Esse post foi escrito em 14/11/2017. Por algum motivo que não lembro mais ficou nos rascunhos, talvez esperando uma imagem, talvez simplesmente esquecido, talvez por eu ter dúvida se devia trazer o assunto, no entanto ele levanta pontos e considerações úteis. Não teriam mudado o rumo da história, mas poderia ter sido útil para alguém. Talvez ainda seja, então publico-o agora!
“come na mão mesmo, filha, quer frescura vai para Paris”
A filha não tem mais de 11 anos, o pai lanchava no mesmo lugar quando era criança, ele não está por perto agora, talvez por isso a mãe sinta o impulso de interagir, ou pode ser apenas nossa natureza social que nos impele a buscar aceitação ou simplesmente atenção.
Ela se dirige a outra mulher bem ao lado, diante do balcão de vidro curvo… Uma tecnologia, aliás, que não existia quando eu era criança, vidros curvos e super resistentes.
Por que Paris seria um lugar para frescuras? Me irrito um pouco com o rótulo mesmo nunca tendo ido a Paris e nem mesmo ter uma admiração prévia pela cidade, pelo menos não uma que seja maior do que a admiração que outras cidades me inspiram, afinal todo lugar tem sua alma e conhecer almas é sempre interessante.
Acabo por me intrometer na conversa “Nem em Paris, né? Não é lá que eles colocam o pão debaixo do braço?” e a mãe completa “e nem usam desodorante!” Risos…
Parisiense não usa desodorante? Na hora nem cheguei a pensar nisso, mas a mãe já estava comentando que nunca tinha ido a Paris. Nem eu, né?
O lanche com a filha era uma etapa do passeio maior a caminho do consulado americano…
Mas, espere! O que tudo isso tem a ver com o corpo imoral? Calma que essa introdução se intrometeu na crônica da mesma forma que me intrometi na conversa, ou talvez fosse necessária para expor tanto o meu perfil quanto os meus pré conceitos sobre a mãe e a filha, a propósito, nada sei da filha, sé que, lá pelas tantas, disse que gostou dali e, no papo que vem a seguir, parecia me olhar com a atenção intrigada de quem está vendo pela fresta de um mundo proibido e que lhe interessa muito.
A mãe queria saber também se não teria gente pelada no MAM pois ela pretendia levar a filha, mas para mostrar coisa bonita e não corpo feio com as coisas balangandando.
A sequência crescente de declarações de horror ao corpo foram, claro, em reação aos meus comentários que não há nada de errado no corpo, que a exposição a que ela se referiu no começo onde uma menina tocou um homem nu era fechada e tinha um aviso na porta etcetera.
Eu provoquei.
Claro que os pais decidem o que e como mostrar aos filhos e filhas, afinal, se a pessoa vê o corpo, a sexualidade ou qualquer outra coisa como algo terrível é melhor não expor a criança, afinal não será capaz de ajudá-la a ver aquilo naturalmente.
No entanto é complicado.
A menina tem um corpo, todos nós temos corpos e não há como fugir disso.
“Vejo corpo nu desde que nasci, minha casa tinha espelhos”
Quando ensinamos que todo corpo é inerentemente feio, sujo, sexual estamos plantando justamente as sementes opostas, estamos conduzindo a criança a ver sexo, e sexo perverso, em todo lugar. A ver a única interação possível entre homem e mulher pela violência do corpo do homem contra o corpo da mulher.
A mãe, querendo, supostamente, proteger a filha da imoralidade a torna imoral ao restringir o significado do corpo ao corpo imoral. E sequer percebe isso.
Talvez, espero que com certeza, a mãe não pense nisso e apenas reaja em função da sua experiência e traumas próprios que nunca lhe permitiram uma relação normal e saudável com o próprio corpo ou com o corpo masculino.
Não houve discussão, procurei falar baixo e de formas que a filha não entendesse claramente o que estava acontecendo e me calei quando tive a impressão de ver na sua expressão tanto a compreensão quanto o interesse. Não será por um breve encontro com outro pensamento que ela encontrará novos caminhos, mas fiquei me perguntando como seria possível impedir que aquela criança buscasse outros vieses por conta própria com a Internet e outros fluxos de conhecimento chegando a nós por todo lado.
Queria ter perguntado à mãe: se o corpo masculino é horrível você não acha que está tentando empurrar sua filha para a homossexualidade? E que se ela for heterossexual isso pode lhe fazer mal?
No final das contas… Será que a moral fundamentalista, reacionária, é sempre um caminho para a imoralidade?
A mãe se disse conservadora… Será que conservadorismo é isso?
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