Observo a janela da penumbra do escritório e ela segue sua vida deixando passar a luz ofuscante do sol do meio dia, a coloração dourada das noites iluminadas pelas luzes artificiais da cidade, alguns cães levando uma pessoa pela calçada longe demais para que eu possa ver suas expressões, o carro solitário que faz a curva na esquina em um dia de chuva que acrescenta reflexos e o rumor suave dos pneus no asfalto úmido, grupos que vagam barulhentos pela madrugada, luzes que se acendem e se apagam nos prédios enquadrados pelas esquadrias da janela que segue sua vida com uma intensidade que me deixa tonto.
A imagem de um bilionário orgulhoso atravessa o testemunho atento de duas janelas: a que abre meu escritório para o mundo e a da vizinha solitária cuja televisão ocupa quase toda a parede. Ninguém se lembrará de nós. Em pouco tempo o bilionário será pouco mais do que objeto de estudo de historiadores do futuro. Quanto às janelas… O que são elas afinal? Que consciência ou sentimentos poderiam ter? Meros vazios arquitetônicos algumas vezes cobertos por vidro e muitas vezes mostrando o mundo para olhos que se esquecem de observá-las ocupados que estão sonhando com o futuro de glórias ou, mais provavelmente, com o próximo meme, a próxima distração.
Em que medida os olhos são apenas janelas atrás das quais consciências anseiam por algo especial para preencher e dar sentido ao tempo entre o despertar e o último sono? Atrás das quais estão observadores que as desperdiçam como o meu escritório desperdiça quase toda a vida que sua janela lhe mostra?
Mais abaixo a jovem volta ao seu home office. Nunca vi seu rosto. Ela senta de lado para sua janela e nunca a vi tirar os olhos do monitor. Trabalhadora aplicada.
Outra noite um vizinho engrossava a voz escondido na sala escura usando sua janela para gritar atrás da persiana semi-fechada “Mito! Mito! Lula ladrão!” aparentemente muito orgulhoso de fazer parte do bando que ignora sua existência e sequer se importa com ela.
Queria escutar uma melodia assoviada distraidamente pelos enamorados na janela, mas os ruídos urbanos se sobrepõe e as caixas de som é que costumam cantar deixando para as vozes humanas as brigas e quase nenhum espaço para confissões tímidas de amor.
Entre-tempo devia estar no dicionário nos alertando para a vida que desprezamos entre o tempo de despertar e o tempo de se dissolver quando a janela dos nossos olhos se fecha pela última vez.
A mais secreta e incrível história é aquela que apenas nós testemunhamos através das nossas janelas e que levaremos conosco ou talvez deixemos timidamente registrado em um blog ou repetido na memória de amigues que viveram aqueles momentos conosco.
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