No último dia de 2021 uma amiga publicou a foto da colherzinha de infância que achou na casa dos sogros e, apesar de ser da geração anterior à dela, tenho aqui a mesma colherzinha, essa aí ilustrando o post.
Achei que era uma conexão singela entre duas gerações, fui na cozinha, tirei uma foto e publiquei nos stories do Instagram mesmo achando que era um jeito bobo de quebrar meses de silêncio (é… tenho publicado bem pouco fora do Twitter) mas, enfim, escrevi lá que “reza a lenda que muita gente teve uma dessas”.
Fiz pouca coisa depois disso pois pessoas de umas quatro gerações e diversas regiões do Brasil começaram a contar que tiveram a mesma colherzinha, que agora a filha ou filho pequenos usavam, uma disse que se eu achar alguém que ainda tem o copo ela vai se emocionar de verdade. Foi ótimo dedicar o último dia do ano a conectar com pessoas através de uma memória de infância que não imaginava que era compartilhada por tanta gente!
Depois descobri no blog da Lilian Pacce que o design criado por José Carlos Bornancini e Nelson Petzold em 1975 vendeu mais de 2,5 milhões de conjuntos e se chamava Comer Brincando, então realmente muita gente mesmo deve ter usado o conjuntinho que contava com a princesa colher, o príncipe garfo, a faca cachorrinho, um prato e um copo, tudo de aço e bem durável. O estado da nossa colher, 46 anos depois, comprova isso.
No entanto a questão é outra. É conexão.
Claro que é possível que essa conexão se restrinja às camadas menos oprimidas (sei que é outra história, mas vamos começar a pensar se o que chamamos de privilégio não devia ser direito universal, que tal?) e as crianças das empregadas domésticas não tenham conhecido, ainda que seja bem provável que algumas tenham herdado das patroas.
A cada parágrafo que escrevo penso em uma dúzia de questões sociais, econômicas e geopolíticas… Então abro aqui um [: percebe como isso é uma evidência de como nossa civilização mudou nas últimas quatro décadas? Fecho aqui o ] e sigo dando atenção ao ponto central, o que me leva a dizer que:
Essa colher para mim abriu as possibilidades do ano de 2022, ou pelo menos algumas metas que temos chance de perseguir! Todas em torno de conexões perdidas e criação de novas conexões.
Há poucos dias falei no post de natal sobre como nossa sociedade está diluída e refleti um pouco sobre como isso aconteceu, como pode mudar.
A colherzinha é uma das ferramentas mais fortes para mudar nosso mundo!
Bem, não exatamente a colher, mas a recuperação da consciência de que compartilhamos muito mais que o mesmo idioma, o que já é bem impressionante se você for pensar: mais de 200 milhões de pessoas espalhadas por uma extensão continental.
Além da linguagem, até aproximadamente 2010, compartilhamos programas de TV, revistas, jornais, brincadeiras de rua… Aliás as brincadeiras de rua! Pelo menos nos anos 70/80 acho que pipa, búlica (bola de gude) e, claro, as “peladas” de futebol uniam as crianças de todas as cores e posições sociais e econômicas.
Ah! O futebol acima, o carnaval, natal, ano novo e até novelas (ou reality shows) continuam embrenhados nas tramas que tecem a rede que é a nossa sociedade.
Com o advento da Internet, das redes sociais, da cauda longa da possibilidade de romper as restrições geográficas para formar tribos tudo se complicou, não é? Mas, atenção, não estou dizendo que a Internet ou as redes sociais são um mal, elas também são parte do que pode nos reconectar, basta ver a importância do tão criticado TikTok na representatividade! São incontáveis casos de pessoas como Samuel Rodrigues, cujo rosto foi muito deformado em um acidente com fogos de artifício, que encontraram lá aceitação e apoio.
A culpa de termos perdido tantas conexões, até com familiares e amigos, principalmente de 2013 para cá, não é nem da Internet, nem das redes sociais e nem mesmo dos políticos e veículos de mídia que se aproveitam da nossa perplexidade para explorar nossas sensibilidades. Escrevi sobre isso em A Prisão Invisível que Ameaça a Civilização (e tô com uma continuação em andamento), mas podemos resumir dizendo que nossa civilização está passando por mais transformações do que estamos acostumadas. Lembra da passagem pela adolescência? Dá uma pausa na leitura e lembra um pouco, sério, pq tô com 54 anos e frequentemente esqueço como foi difícil. Lembrou? Só que pior pq na adolescência podemos olhar para quem ainda não está passando por ela e para quem já passou, mas quando a civilização I N T E I R A tá passando por isso é um caos só!
…
Uma reflexão complicada: muitas pessoas na adolescência tem impulsos auto-destrutivos, sentem que não conseguirão superar e até que não vale a pena pensar em ter um futuro. Eu tive… Então é possível que essa sensação, que é quase um consenso, de que “só o cometa salva” ao destruir a humanidade seja a adolescência que todas nós estamos experimentando!
Segura as pontas que vale a pena!
Depois da colherzinha percebi melhor que nunca que a diluição que temos experimentado é praticamente uma força alienígena que obstrui nossa consciência do que nos conecta!
Hum. Tá. Tá bom. Não dá para perdoar quem se entregou ao que há de mais sinistro na história da humanidade e que costuma de reunir e alimentar o ressurgimento do fascismo. Essas pessoas podem já ter comido com os mesmos talheres que você, mas se corromperam e não dá para perdoar porque não dá para entender.
Então… Suponho que você ache que a humanidade precisa de empatia, né? Então… ;-) Empatia (e alteridade) é a capacidade de entender os outros à partir da percepção e do lugar de fala deles.
“É obrigado a ter empatia?”
Percebe a confusão nessa pergunta? Empatia não é algo que fazemos pelo bem de alguém, é algo que fazemos pelo bem de todes, inclusive nós mesmas.
“Não sou uma pessoa tão evoluída!”
Acho que ninguém devia se subestimar assim, mas é claro que a gente tem energia para muita coisa, mas não para tudo! Então, se não der para buscar empatia e alteridade por pessoas que seguem vieses tão diferentes dos nossos, não tente reconectar, tente construir novas conexões. Olha aí a Internet e as redes sociais mostrando o lado bom de romper as fronteiras geográficas e nos dando a possibilidade de buscar conexões com centenas de milhões de outras pessoas se considerarmos apenas quem fala português.
No entanto aí está uma boa meta para 2022: desenvolver empatia e compreender a alteridade de quem vive em mundos que achamos muito estranhos ou até repulsivos.