– Imagina alguém que pode ver vários universos paralelos ao mesmo tempo – Pergunta a amiga do outro lado do Discord enquanto gravamos um podcast.
Amiga…Estou aqui sentado diante de uma tela vazia há minutos tentando escolher na minha breve linha do tempo os momentos que ajudariam a sintetizar os medos e angústias, esperanças e encantos que mordem agora minha alma e saem correndo com ela como uma cachorrinha levada que quer apenas brincar comigo, ou talvez que eu me mexa.
Aliás… O que busco no passado nem é tudo! Agora mesmo, enquanto sentimentos se formam em alguma parte entre meu cérebro e o espírito que sequer sei que existe e tento transformar em imagens e palavras, com violência. Eu. Não. Sei. O. Que. Penso. E. Sinto. Agora!
Espero que você que lê não esteja assim, entretanto desconfio que, se está vivendo o mesmo momento da jornada humana ou outro similar, deve estar exatamente assim, apenas em níveis maiores ou menores de confusão ou de consciência da confusão que está vivendo.
Ainda ontem nossa família se colocava atrás de nós, homens e mulheres acostumados a olhar para a planície e prever por experiência ou ciência os riscos que nos esperariam na busca por um lugar ou por comida. Depois disso tudo foi se complicando e já não importa que animal se esconde nos arbustos ou que tempestade cairá nas planícies que abandonamos ou cobrimos de construções milênios atrás.
As ferramentas para entender os caminhos são outras, a sabedoria que herdamos de avós e outros ancestrais se encaixam precariamente em nossos olhos inquietos.
Quando olhei para essa tela, que já não está tão vazia, vinha falar dos sentimentos conflitantes ao ver que talvez as ruas estejam mudando. Começaria mais ou menos assim…
“As cores que vemos nas ruas são o verde e o amarelo manchados com sangue do povo obrigado a se expor à pandemia pelo capricho dos que maculam essas cores. Não posso fazer a chamada pras ruas levianamente, mas há de se achar formas de ocupar esse espaço com razão e consciência…”
Então lembrei da Nova Era, do esoterismo, da holística, da teosofia e, por que não, também as religiões. Parece que todas as coisas foram se deteriorando. E logo eu, que já critiquei o involucionismo aqui mesmo neste blog, caindo na armadilha da arrogância e do elitismo, mas o que acontece com os símbolos do Brasil, sequestrados pelo mais letal vírus ideológico que atinge a humanidade, o fascismo, é diferente, é uma catástrofe que já levou literalmente dezenas de milhares de vidas e nem começou e nem se limita a tirar vidas.
“Temos que retomar as ruas, temos que tirar do fascismo os símbolos que roubaram e as ruas vazias que ocupam” ou algo assim aparece em minhas timelines vindo de pessoas de todas as matizes humanas, mas como?
Reunir-se agora é um ato de irresponsabilidade, mas apenas até o momento que vejo um vídeo de um grande grupo de pessoas com roupas pretas dividindo o espaço público com verde-amarelos que, por descaso ou pânico, espalham a nuvem vermelha da convid-19 pelas ruas em um tipo de culto da eutanásia em que se expõe involuntariamente (pois sinto que muitos deles realmente não tem consciência), mas levam a dor e a morte para quem não tem a opção de se proteger e a quem amam.
Uma grande parte de mim vibra como a criança que dispara de bicicleta com o pedal frouxo de tão rápido que segue. Ela sabe do risco, mas sua alma anseia pela sensação do vento, a urgência que vem do perigo.
Eu queria estar entre aquelas pessoas anunciando para o fascismo que se tem alguns que se deixam seduzir pelo medo e pelo ódio do fascismo tem muito mais de nós que lembra do terror. Se não o viveu pessoalmente viveu nas memórias herdadas dos antepassados, reviveu em livros, filmes, séries e foi o bastante para entender que, por maior que seja o terror que usam para nos dobrar submissos ao ódio, temos que merecer as bênçãos de Deus, dos antepassados, da razão ou do que quer que tenha nos trazido até aqui, que nos mostrou que empatia é mais do que simpatia, que cuidado e delicadeza uns com os outros é uma cor essencial às bandeiras da humanidade.
Então vamos às ruas?
Não sei. Seria irresponsável fazer essa chamada enquanto uma pandemia que já levou muitas luzes ao meu redor, que mergulha tantos de nós na dor pela longa provação do período de tratamento. Para os que não tem alma e discernimento para se importar com a dor alheia e duvidar da própria vulnerabilidade, a propagação da doença também causa o caos social e econômico. Temos que controlá-la.
Apesar disso fica a dúvida: e se o dano de entregar as ruas e permitir que se apropriem dos símbolos do país for pior que a perda da minha própria vida ou de alguém próximo a quem eu passe a doença?
Há quem compare com uma guerra. Não gosto dessa comparação pois o momento não é de levantar armas contra um inimigo palpável, é o momento de construir pontes de conexão e redes de proteção para afastar o medo e a ignorância que transformam nossos pais, irmãos, filhos, amigos em fascistas.
Enfrentamos dois vírus. Um genético, outro memético. Um contamina o corpo, o outro a mente. Um conecta-se às nossas células, o outro aos nossos medos e ignorâncias.
Melhor que guerra seria comparar com uma jornada do herói, uma peregrinação espiritual em busca de um vale e uma cultura onde todos possamos conviver.
No entanto a comparação com o estereótipo das guerras serve a uma reflexão: quem se levanta para proteger as pessoas do terror da guerra se arrisca e coloca em os mais próximos em perigo… Bar Don Juan, de Antônio Callado, toma seu lugar nos meus receios e impulsos. Lá tem muito sacrifício por uma guerra justamente contra o peso do fascismo no Brasil em uma época em que eu já era vivo e cá estamos novamente.
Espero que encontremos formas seguras de retomar os espaços públicos e até os símbolos nacionais (veja o que estou dizendo… Eu, que em 1978, já dizia que patriotismo é uma semente do fascismo), porque a voz da humanidade não pode ser mais baixa que a da aniquilação. Pelo bem de todos e da nossa sanidade.
E chego aqui sem ter pensado em um título para o post…
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