Estou muito triste por testemunhar este momento da história.
Aqui em casa estamos em lockdown, em confinamento, por opção e por termos o privilégio de fazer isso. Ao nosso redor apenas 50% das pessoas estão mantendo isolamento enquanto o Brasil caminha para a mais triste aniquilação do início do século XX por causa da pandemia.
É duro ver tanta gente enfrentando uma doença tão severa quanto a causada pelo SARS-CoV-2, mas fenômenos naturais… Bem, poderíamos ter feito muita coisa para isso não acontecer. Poderíamos ter reduzido nosso impacto ambiental e até estarmos caminhando para nos tornarmos restauradores do equilíbrio da vida. Poderíamos ter reduzido a desigualdade social e talvez até estar desenvolvendo uma civilização próspera… Bem, o que ia dizer é que um vírus não tem consciência, ele sequer é uma forma de vida e sim uma entidade biológica como vemos a certa altura na temporada Pandemia do 37Graus. Então o que realmente me entristece não é essa pandemia.
A gente lida com desastres naturais, mesmo os que poderíamos ter evitado, com resiliência, fazendo o que está ao nosso alcance para amenizar o problema coletivo e para nos proteger individualmente.
O que me entristece estar testemunhando é outra epidemia, uma que atinge hoje pelo menos 30% dos brasileiros, 60 milhões de pessoas, enquanto a #covid-19 ainda não chega a 1 milhão (se multiplicar o excesso do índice de mortalidade pelos casos confirmados). Principalmente porque acompanhei o crescimento dela neste blog desde 2005.
Estou falando da epidemia de ignorância, medo e ódio chegando a um descolamento da realidade tão sério que nem consigo chamar de fascismo ou mesmo neofascismo, que é um ponto para onde a humanidade costuma ser sugada quando é dominada pela ignorância, medo e ódio.
Talvez me entristeça tanto porque, assim como a covid-19, as pessoas atingidas pela pandemia não são números, elas tem rostos, tem nomes e tenho histórias com várias delas!
No caso da covid-19 é compaixão que inunda nossos sentimentos. A mãe da amiga querida que, felizmente, voltou da UTI para casa, os vários amigos que tiveram sintomas e podem ter passado pela doença sem ter que recorrer a um hospital, mas nunca saberemos porque vivemos em um dos países mais incompetentes na ação pela preservação da sociedade neste momento de crise. Muitos dos rostos enfrentando a covid-19 eu não conheci e jamais conhecerei pessoalmente porque foram levados pela doença. Um amigo de amigo aqui, um colega de colégio de uma jovem amiga ali… Algumas vezes “aqui” e “ali” são lugares frios e sem luz…
Já no caso da outra epidemia, a que nem demos um nome ainda dificultando a compreensão e tratamento dela, não inspira empatia pelas vítimas, que também tem rostos e memórias. Tem o senhor simpático com quem conversei sobre criptomoedas enquanto tomávamos um café, tem familiares, numerosos familiares, por quem sempre tive carinho, mas… Tem amigos pessoais, gente que admiro pela cultura ou pela história de resiliência, todos pessoas que… Ia dizer que não sinto mais amor por elas, mas não é verdade, eu sinto… E talvez por isso seja tão doloroso testemunhar essa pandemia.
Isso me lembrou de um fragmento de conto que escrevi há muito tempo. É com zumbis. É uma doença que destrói a razão, mas o conto fala sobre a esperança de que ela não mate a alma.
Fica muito mais difícil quando os contaminados não tem rostos para mim, não tem histórias comigo e são apenas números: 60 milhões de números sem rostos e em quem não consigo ver alma.
Gente que berra que não existe pandemia viral, gente que grita desprotegida que somente o presidente importa e que o resto não tem pressa (logo um presidente que claramente não dá qualquer valor à vida, aos outros), pessoas que podiam até não ter percebido o que eles estavam elegendo em 2018, mas depois de 2 anos já deviam ter despertado do colapso zumbi, mas ainda são 30 pessoas em casa 100. É muita gente. Mesmo que os 70 restantes fossem pessoas iluminadas. E não são. Raios! Eu não sou nada iluminado à partir do momento que desumanizo os infectados pela epidemia da demência.
A propósito, estou entre os que deviam entender o que está acontecendo. Não só por vir percebendo o crescimento lento por mais de 15 anos, mas por ter tido a sorte de ter lido as coisas certas para dar pistas dos vírus que nos enfraqueceram nos deixando vulneráveis à demência final.
- A perplexidade diante da realidade que a ciência nos revela e que não se importa em se adequar aos nossos desejos e instintos tira o nosso fôlego. Lembro da primeira vez que me deparei com o paradoxo do infinito e como o coração ficou apertado dentro do peito e tive vontade de me encolher e esquecer que tinha perguntas que somos incapazes de responder. A gente pode aceitar que temos limites e procurar conforto no que já foi mistério e hoje entendemos ou podemos nos encolher num canto buscando um delírio para chamar de realidade e esse é o primeiro vírus. Fantasias deviam completar ou enriquecer a nossa realidade e não nos afastar dela.
- No século XVII começa a nascer a ciência moderna, uma ferramenta de estudo da realidade tão poderosa que mesmo que apenas uma pessoa a use e todas as demais a rejeitem ainda assim ela progride! Pensando memeticamente talvez a ciência seja o mais poderoso organismo cognitivo que já criamos… Ou que encontramos, mas isso é assunto para outros lugares.
Enquanto a ciência estava restrita a um punhado e seus frutos não chegavam a quase ninguém ela era como um vírus discreto, mas nossa civilização foi se tornando, cada vez mais rápido, em uma civilização científica e tecnológica onde talvez 5% tenham sido apresentados à ferramenta ciência e todos os demais desfrutem dos seus frutos sem entender como eles surgem. - A ciência finalmente se tornou tão complexa para a maioria de nós que passou a ser indistinguível da magia, mas é uma magia que nos faz sentir pequenos, que nos apresenta realidades que fritam nossas mentes preparadas para correr pelas savanas, mas não para lidar com ondas gravitacionais, distorções do espaço tempo (apesar de todos nós as usarmos quando nos localizamos no GPS). É uma magia que não parece natural quando na verdade é nossa visão tradicional do mundo é que não é capaz de ver o que é natural em seus detalhes e riquezas…
Esse post está virando um artigo do Meme de Carbono! Não devo fazer isso, não quero fazer isso pois aqui é outro espaço…
O ponto é que, certo ou errado, tenho um conjunto de hipóteses bem razoável para explicar como tantos de nós nos tornamos fugitivos da realidade, assustados e, portanto, vulneráveis às seduções do ódio, às malícias do ilusório poder de manipular a realidade de acordo com os nossos desejos.
Eu não devia estar tão abatido. Principalmente porque cresci buscando a lógica vulcana e uma visão de longa distância para lidar melhor com minhas emoções e com as ansiedades do presente. Bem… não sou nem vulcano, nem robô ou imortal para não se importar com o presente.
Tenho raiva. Muitas vezes tenho raiva das pessoas que estão causando o descontrole da pandemia do outro vírus, o biológico, que levará, só no Brasil, talvez centenas de milhares de vidas que jamais voltarão. E para quê? Não é para salvar a economia (o que já seria desumano) que perderá muito mais com o caos do que com o desaceleramento controlado, mas por rejeitarem a realidade da pandemia, para não admitirem que não tem controle sobre o mundo, para se cegarem para o fato de que a realidade não obedece aos seus desejos imaturos (não digo infantis pois temos visto que a infância muitas vezes é mais madura que um adulto que não amadurece).
Quer saber? Assim como eu não tinha esperanças de um dia entender o infinito naquele dia no sítio da minha avó em Santa Cruz (RJ) receio que o impacto da pandemia e a salvação que virá pela ciência não será o suficiente para nos salvar da pandemia que nos deixa vulneráveis a todas as epidemias, que nos cega para a necessidade imperativa de assumirmos o papel de mantenedores do equilíbrio da vida no planeta.
Há décadas me permito a um devaneio, o de que tenho chances de viver por mais de 300 anos e até mais além. Não é só pelo medo de morrer, é pelo desejo de ver finalmente a humanidade conseguindo concretizar seu potencial de força vital, de criadora. É um devaneio meio bobo, mas acho que preciso enriquecer minha realidade com ele para não me perder em sofrimento enquanto o despertar da humanidade parece tão distante… É uma fantasia inócua, afinal, enquanto estamos vivos, a imortalidade é uma possibilidade…
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