É necessário escrever, é uma questão de sobrevivência no meio do caos.
Lembro de Jack Harkness milhares de anos enterrado procurando manter a sanidade, de Sandman preso por décadas, de Alvin encarcerado na utopia de A Cidade e as Estrelas, de Prometeu torturado por levar o conhecimento aos humanos.
Prometeu que nos trouxe a luz do conhecimento… A serpente do Paraíso que nos trouxe a perturbação do questionamento.
Não é de estranhar que tenham surgido cultos aos “vilões” das tradições religiosas, que repentinamente notemos que a alma é imoral e que as tradições religiosas são prisões para a alma que deseja sempre a transformação.
A alma é um demônio progressista de esquerda.
…
Não chega a tanto, mas a alma é certamente transformação e não permanência.
E o que tem isso a ver com a vida dementadora no século XXI?
Chegamos na virada do milênio esperando uma nova era antecipada na cultura pop (Buffy é um excelente exemplo) em que a diversidade seria abraçada, a arte e a cultura seriam livres assim como nós que romperíamos os grilhões dos estereótipos que as ideologias do passado nos impunham em função da cor das nossas peles, dos órgãos que abrigamos entre nossas pernas, da aparência dos nossos rostos, da cor dos nossos olhos e textura dos nossos cabelos.
Olho para a programação dos cinemas, para o carrossel de opções na Netflix, na Amazon Prime, na HBOGo e se multiplicam os bons frutos do século passado.
Sabrina, Stranger Things, Game of Thrones, Ricky e Morty, Casa de Papel e tantos outros exemplos que vão além do amadurecimento das mais progressistas séries do século passado.
Mas o meu vizinho grita da sua varanda sob a janela do meu quarto que atravessará a madrugada fazendo barulho ali porque o baile no morro faz barulho, porque eu não devia dormir onde antes era uma sala em meu apartamento, que ele não tem culpa da acústica do prédio ser desfavorável. Age como a criança mimada que se justifica com qualquer desculpa para poder desfrutar do seu prazer imediato sacrificando sua empatia e sua imagem.
Na rua ouvimos gente ainda elogiando um governo de dementes mergulhado em um egoísmo autocrata, nepotista e cada vez mais afundado na lama da corrupção, dos preconceitos, do ódio.
Não apenas nas ruas. Vemos grande número de religiosos cristãos fazendo apologia a armas e ao ódio… Bem… Esses até que não surpreendem já que seguem um deus perverso.
Não… não… não… Eu não vou ceder ao preconceito também. Não é culpa do Deus cristão o que fazem em seu nome. O livro máximo daquela religião contém ódio, mas também transborda humildade, amor e sabedoria. É uma questão de escolha.
É a escolha que é dementadora no final dos anos 10 do século XXI.
A cultura pop está transbordando empatia, diversidade, reflexão e respeito. As religiões, todas elas, dispõe da mesma poção, tem acesso à mesma alma e tudo parecia estar indo muito bem.
Até o momento que bastou um soluço. Uma campanha bem paga e bem articulada nos WhatsApp e FaceBooks da vida e o ódio e a ignorância se multiplicaram descontroladamente.
Ainda há pouco, uns oito anos talvez, ríamos dos terraplanistas e esse era o sinal. Depois deles ganharam forças os que negavam nossa influência no aquecimento do planeta e consequente mudança climática, os que disseminavam a divisão fascista entre bom povo e povo ruim, povo demonizado.
É inevitável dar ouvidos ao amigo que pergunta “E vale a pena salvar a humanidade, Roney? A humanidade não tem jeito não”.
Se somos coletivamente tão frágeis realmente…
No entanto não podemos desistir assim tão fácil pois estaremos sendo tão indignos quanto os que se entregaram ao pavor das mudanças a ponto de entregar o leme da civilização a dementes que cospem ódio.
A vida na Terra depende de nós. Sem uma civilização o destino de qualquer planeta é a morte e não podemos desistir da vida enquanto houver vida, mesmo que venhamos a perder a esperança: não é sobre nós! Não nos cabe decidir quando desistir! Frodo está aí para nos lembrar! Ele e incontáveis outros, escolha sua grande obra da infância ou moderna! Eleven, Dustin, Mike, Luka, Robin, Steve, Max, Joyce, Hoper… Hoper… Nenhum deles jamais desistiria mesmo depois que as esperanças todas se esvaíssem! Nós devemos o mesmo a eles!
Imagem: Di Couto em muro às margens da praça Gal. Osório. Foto minha